Ainda lembro-me daqueles dias insólidos passados no interior daquele hospital em Belém com meu pai. Ele vitima de diabetes com um ferimento do pé direito em decorrência de complicações da doença, o pé esquerdo havia sido amputado anos antes por complicações da mesma doença.
Foram dias terríveis aqueles, começou com a ida na ambulância, nunca sacodi tanto em minha vida, ao chegar o que ouvi do motorista me chocou.
- Olha vou te dizer uma coisa, se teu pai morrer fica tranqüilo viu? Eles têm assistente social aqui, e o necrotério possui um espaço para conservar o corpo no gelo até ser transportado para a cidade de onde veio.
Meu pai chegou lá semi-consciente, estava de olhos abertos, entretanto não se mexia, não falava, nem sequer me olhava quando eu o chamava, e o desespero começou a tomar conta de mim, eu estava vivendo algo que antes eu assistia nos telejornais regionais. Estava vivendo o descaso, o abandono, a superlotação. Meu pai foi simplesmente medicado e jogado no corredor, eu tive que ficar em pé por dois dias e uma noite, com a promessa de que assim que um leito do andar superior fosse desocupado seriamos transferido para lá.
Nas duas noites em que estive no corredor choveu. Meu pai sentia muito frio, e dois lençóis não foram suficientes, então joguei todas as roupas em cima dele a fim de mantê-lo aquecido e eu fiquei sem nada apenas protegido pelas minhas roupas. Isso aconteceu por duas noites até que no terceiro dia fomos transferidos para o quarto. Ao chegar ao quarto tive uma péssima surpresa, eu teria que continuar em pé, no entanto consegui uma cadeira e nos dias que se seguiram meu genitor melhorou consideravelmente.
Já estávamos lá há cinco dias, e por volta das 10h30min da manhã eu fui comer algo na feira que tinha atrás do hospital, já que a comida do hospital não tinha sequer gosto. Ao voltar ouço gritos vindos do quarto dele, fiquei louco e corri ate o quarto o mais rápido que pude, ao chegar à porta mais um choque, papai estava completamente fora de si, gritava com a enfermeira, perguntava o que estava fazendo ali, quem o havia levado para aquele lugar.
Entrei no quarto, ela, a enfermeira olhou para mim com olhar de reprovação.
- O que você esta fazendo aqui, não pode entrar.
- É meu pai – respondi- sou o acompanhante dele.
- Então você não deveria ter saído daqui – ela disse brava- olha como ele ta, totalmente fora de si, não se lembra de nada, isso é falta de açúcar no sangue hipoglicemia, eu tenho que aplicar esse injetável nele.
Aproximei-me, ele gritou ainda mais que antes.
- Sai daqui, eu não te conheço, eu quero ir pra minha casa, onde é que eu tô, quem me trouxe, cadê a Salete? Cadê?
- Mamãe ta em casa pai.
Eu chorei enquanto me aproximava, como choro agora ao escrever essa crônica, e disse:
- Sou eu pai, o Dário seu filho, vem dá sua mão, a enfermeira vai lhe dar um remédio pro senhor melhorar e lembrar de tudo.
Ele se negou dizendo:
- Eu não te conheço, eu não vou deixar não.
Nesse momento levantou a mão para me agredi, segurei firme sua mão, ele pareceu se assustar, me olhou dentro dos olhos e disse:
- Dário? É você meu filho?- e eu desabei, ele me puxou para si tentando me abraçar também chorando- eu t e amo meu filho, eu te amo, você é o filho do meu coração, fruto do meu amor.
Eu não entendi nada apenas chorei, a enfermeira muito menos, aplicou o medicamento dizendo:
- Só pode ser brincadeira, reconheceu o filho ao segurar a mão dele, isso é demais pra eu entender, inacreditável.-logo em seguida saiu nos deixando sozinhos.
Foram cerca de dez dias que ficamos naquele pronto-socorro em Belém, e eu cuidei do meu pai com todo amor e dedicação que pude dar, me doei. Levei-o ao banheiro, ajudei-o a tomar banho, e muitas vezes o limpei como ele fez comigo quando eu era apenas um bebê. Foram nesses momentos que eu entendi a relação pais e filhos. Ao nascer os pais cuidam dos filhos, quando os pais envelhecem os filhos devem cuidar dos pais, e foi o que fiz, e faria de novo se fosse necessário.
Voltamos á Paragominas no dia vinte e cinco de fevereiro de 2007 e dois dias depois eu presenciei a morte do meu pai, o homem que me amou incondicionalmente, que se doou por mim, que segurou na minha mão quando eu era pequeno, que me ajudou a levantar quando eu cai, me deu conselhos, puxou minha orelha, me pôs de castigo e me fez entender que amor não é ser omisso, dar carinho e afeto, é sim disciplinar, corrigir e mostrar o caminho certo á seguir. Com tudo isso seus ensinamentos me ensinaram a crescer e amadurecer e me tornar o homem que sou hoje, e por tudo eu agradeço a Deus que me proporcionou horas sofridas naquele hospital, mas que foram as mais marcantes da minha vida e me possibilitou continuar ao lado do meu pai.
Foi um velório simplório em minha casa, muitos amigos, familiares, vizinhos. Os dois dias que se seguiram foram nublados e chuvosos como minha alma. No enterro me despedi dele, não como se não fosse vê-lo nunca mais, me despedi com um até logo papai, depois nos veremos no céu, nos abraçaremos, e viveremos eternamente adorando ao rei Jesus.
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ResponderExcluirSeria tão bom se não existisse dor, não é? mas ela existe, e se existe deve ter algum motivo...
ResponderExcluirPerdas como essas são irrecuperáveis, mas nos trazem tanta certeza de amor...
Com o passar do tempo a dor vai se transformando em saudade...e a saudade traz suspiros...apazigua.
;D